Autoras:
Sirlei de Souza e Eliziane Meurer Boing
Ao falar sobre diásporas migratórias,
percebe-se que existem nuanças culturais desses fluxos contemporâneos de
pessoas em um novo território
caracterizados por duas vertentes: um agente direcionado exclusivamente para o
trabalho e um agente cultural capaz de enriquecer a experiência humana com suas
trocas. Acerca dessas trocas, as “idas e voltas que, a cada troca,
enriquecem a experiência humana, a transformam e lhe dão um novo sentido, não
apenas para o migrante, mas também para a população local que o recebe e aquela
outra que fica na terra de origem”.
Nesse sentido, a imigração
haitiana para o Brasil pode ser analisada no conjunto dos fluxos migratórios do
século XXI, sobretudo após o desastre ocorrido em Janeiro de 2010, quando um
terremoto devastou o Haiti, transformando o país num caos e forçando sua população a, mais uma
vez, migrar, já que a cultura de migrar e as sucessivas crises políticas no
Haiti fazem daquele povo historicamente um povo migrante.
Pode-se dizer que desde o ano de
2012 os números relacionados à imigração haitiana no Brasil aumentaram
vertiginosamente. O estado de Santa Catarina, destaca-se em nível nacional, já
que foi o segundo estado da federação com maior registro de haitianos (21,7%).
Os fluxos dos haitianos que
entraram no Brasil por Tabatinga (AM), Brasiléia (AC) e Epitaciolândia (AC),
assim como os que vieram diretamente para a capital do estado de São Paulo.
Essas cidades aparecem nas pesquisas como as primeiras a receberem um contingente de imigrantes haitianos,
levando-nos a concluir que é a partir delas que se expande o fluxo migratório
para os demais estados da federação, e os principais destinos foram as regiões
sul e sudeste.
Apropriando-se dos dados cedidos
pela Política Federal de Joinville, podemos constatar que existem hoje
documentados 2.280 haitianos na cidade. Os dados aproximam-se do anunciado em
reportagens no ano de 2015. É possível identificar também que , apesar de haver
registro de haitianos solicitando documentação desde 2012, a grande leva de
imigrantes chegando à cidade ocorreu em 2015 e 2016.
Quanto ao processo de
sociabilidade, de integração e de inclusão envolvendo o imigrante haitiano,
identificamos, ao pesquisar as narrativas produzidas pela imprensa, inúmeras
iniciativas advindas da sociedade e, especialmente, dos próprios imigrantes
para dar visibilidade à sua presença na cidade, ocupar espaços políticos,
garantir cidadania e fortalecer seus vínculos de pertencimento. As estratégias
são construídas mediante parcerias, com destaque a instituições religiosas,
instituições de educação básica e ensino superior e instituições ligadas aos
movimentos sociais afro e de direitos humanos.
Uma das redes contemporâneas
migratórias às quais se veiculam muitos imigrantes haitianos é sua
religiosidade. Os imigrantes se apropriam das estruturas religiosas como espaço
para realizar seus encontros, para professar sua fé em sua língua materna e
para se articular e construir laços de solidariedade.
A Pastoral do Migrante, ligada à
Igreja Católica, tem atuação significativa quanto aos imigrantes haitianos: as
ações vão do assistencialismo mais imediato até a assessoria técnica para o
encaminhamento da documentação necessária para a regulamentação da permanência
no país. Há na imprensa local visibilidade significativa de uma liderança
católica haitiana chamada Padre Lucas, que fala em nome dos imigrantes
haitianos. A imprensa tem recorrido muitas vezes ao seu testemunho e opinião.
No sentido comunicacional o poder da palavra
está ligado ao poder de quem fala. No caso do Padre Lucas, ele se torna
referência para a imprensa porque fala do lugar do sacerdote, tendo uma “fala
autorizada”, institucionalizada, ou seja, legitimada para proferir um discurso
em nome de outros.
A
presença do Padre Lucas como liderança interlocutora entre a cidade e os
imigrantes haitianos fica evidente na reportagem intitulada “Aprenda a se
comunicar com os haitianos em crioulo,
veiculada em maio de 2015. O imigrante é apresentado como o protagonista da
cena e a comunidade local é quem deve se esforçar para possibilitar a inclusão.
Em matéria de dezembro de 2016, mais uma vez aparece a liderança de Padre
Saint-Luc Fénélus (Padre Lucas), quando da realização da primeira missa rezada
em francês e crioulo, reunindo cerca de 300 haitianos: “A fé e a música uniram
os dois países em uma só celebração”. O
papel do religioso no processo de integração é destacado: “Coube a ele a missão
de fazer os imigrantes se sentirem em casa”. A narrativa do padre é ressaltada:
“Devem superar toda a diferença, todo racismo, toda discriminação para que
todos possam trabalhar e viver de uma forma digna.
A
Associação dos Imigrantes Haitianos em Joinville é ao nosso ver, estratégias
políticas utilizadas em todo o Brasil como meio de articular imigrantes,
movimentos sociais e religioso em torno das questões de inserção social e
garantia de direitos. Em Santa Cataria existem várias organizações com o mesmo
objetivo: congregar imigrantes em torno de audiências públicas, conferências,
reuniões políticas e manifestações públicas.
O presidente da Associação é o Sr. Whistler Ermonfils, evidenciando a
importância da associação para a inserção dos imigrantes à cidade e suas
articulações com outros haitianos que vivem em Santa Catarina. A facilidade de
acessar as redes de comunicação pelos
aplicativos de mensagem como WhatsApp e Facebook permite a articulação regional
e nacional dos haitianos no Brasil. Whistler relata durante a entrevista que
frequentemente se comunica com as associações de haitianos de Florianópolis, Chapecó, Blumenau
e Itajaí.
Ao ser perguntando sobre o tipo de informação que troca no grupo,
responde: “Informações sobre dificuldades, oportunidades. Às vezes quanto tem
um haitiano em dificuldade a gente conversa no Whats App, o que pode fazer. Para
situar a criação da associação em Joinville 2015, Whistler rememora o período
em que morou em Porto Alegre e relata que lá já vinha pensando, provocado por
brasileiros e outros haitianos, em criar uma associação.
Sabe-se
que uma associação tem mais poder de criar relações colaborativas com o poder
público, mediante convênios, termos de parceria e contratos de gestão. Ou seja,
o prefeito como chefe do executivo, pode formular parcerias e mais facilmente atender aos interesses dos
haitianos-joinvilenses, se estes se adaptarem ao funcionamento das instituições brasileiras..
Além disso uma associação tem maior legitimidade perante o poder público. Quando indagado sobre o alcance dos
objetivos da associação, aparecem duas questões. A primeira diz respeito ao
fato de que vários haitianos participem de cursos preparatórios para o mercado
de trabalho, porém, denuncia o fato de nem sempre essas oportunidades estão
acessíveis aos imigrantes haitianos, deixando claro novamente uma tensão entre
o imigrante e o seu local de destino.
A
busca pela cidadania, o desenvolvimento de estratégias que garantam a
visibilidade do imigrante haitiano, a promoção de debates públicos sobre a
situação desse imigrante na cidade, a denúncias de situação de xenofobia,
preconceito e racismo compõem o cenário do processo imigratório envolvendo os
haitianos em Joinville. Segundo o que foi apurado nas pesquisas não há um único
e homogêneo perfil de imigrante haitiano. São homens e mulheres que comungam
dos mesmos sonhos, mas encontram diferentes maneiras de expressar sua fé, de
manifestar sua cultura, de participar politicamente, de silenciar-se diante de
perguntas, de comunicar-se em crioulo com os seus pares e, dessa forma, fortalecer a sua identidade e
encontrar estratégias para sobreviver e produzir ações de pertencimento em sua nova morada.
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